17 de novembro de 2015

A única certeza.

Era quase de madrugada. E a ansiedade era a única companhia solidária que segurava minhas mãos, enquanto eu estava jogado no sofá, virando de um lado para o outro sem parar. Os pensamentos vinham e iam, em um ritmo cardíaco de acelerar. Mas uma hora eles sempre cessam, até os próprios pensamentos cansam de pensar.
Então meus olhos aos poucos vão se fechando, e aos poucos a ansiedade vai soltando minhas mãos, e o sono vem e me abraça tão suavemente que adormeço ali mesmo, sob o véu de meus pensamentos que não queriam ir embora. E tenho certeza que agora eles estão escondidos atrás da televisão que sempre deixo ligada, porque se ela não estiver ligada, não consigo dormir, é como se o barulho de alguma coisa, tivesse uma energia que suga seus pensamentos, te trazendo algum tipo de paz doentia.
Era mais ou menos 3 horas da manhã, que ao lapso de um susto, acordo. Coração acelerado, suando frio, com o olho arregalado. Ouço um barulho vindo da porta do meu quarto. Pareciam vozes, gritos e risos, como se fosse uma festa, uma música distante mas ao mesmo tempo bem próxima. Entrei, atravessei a porta, e os barulhos se tornaram silêncio.
Havia uma mesa de jogo de xadrez, e três pessoas. A pessoa no meio, logo reconheci, era um amigo meu, que morreu há alguns anos. Os outros eu desconhecia. Mas antes que eu pudesse falar algo, meu amigo se levantou, e veio até perto de mim, e me deu um abraço. Conversamos como se não houvesse presente, nem futuro, nem passado.
Ele logo me apresentou as duas pessoas na mesa do jogo.
- Meu caro amigo, deixa eu apresentar esse cara, porque ele é o cara, ele nunca perde, sempre ganha.
Fui dar a mão ao amigo dele, e antes que o próprio rapaz pudesse dizer quem era, meu amigo já o cortou me dizendo;
- Morte! Sim isso mesmo, O Ceifador de Almas.
Logo em seguida, a morte me perguntou;
- Quer um charuto?
- Não, obrigado
Ele me olhava com aquele olhar enigmático, um jovem com olhos atentadores, porém convincentes, um momento ali se pausou no tempo.
O charuto, só de olhá-lo já conseguia sentir o sabor em meus lábios, que eloquente. Resolvi aceitar. A fumaça tornou-se brisa dentro meu consciente. E a euforia veio e confortou o ambiente.
E então meu amigo, me apresentou para a segunda pessoa na mesa do jogo. Era uma bela dama, bem vestida, com aparência angelical, saudável. Ela me deu a mão e me deu um beijo no rosto. A marca do seu batom vermelho ficou marcada em minha pele como brasa.
E então ela mesma se apresentou: - Eu sou a vida, vamos jogar conosco?
Seduzido por palavras bem colocadas, sentei a mesa e comecei a jogar.
Enquanto eu tentava ser preciso e estratégico em meus movimentos. A morte e a vida conversavam e riam alto. E de repente uma música começou a tocar sem mais nem menos. Um blues bem antigo, quase que diabólico. E as palavras continuaram, e eu então resolvi somente ouvi-las. A morte sempre tinha domínio do diálogo. Um diálogo estranhamente interessante.
- Ela é a minha sócia.
- Verdade, somos ótimos nos negócios.
- Ela sempre quer ganhar, mas eu sempre acabo dando o xeque-mate.
- É tão bom.
E a morte me olhou e me intimidou:
- Esse jogo nunca acaba.
- Dura para sempre.
- Ou você está dentro, ou está fora.
Então continuei, jogando, fazendo minhas melhores jogadas. Mas eles mesmos impediram minhas cartadas. Estranhamente os dois pareciam flertar um com o outro. E eu estava certo, em um piscar de olhos. A vida e a morte faziam amor na mesa do jogo. Enquanto eu tentava trapaceá-los. Mas não consegui
-A morte e a vida sempre nos "fode" de alguma forma- pensei comigo. Havia duas certezas ali na minha frente em um ato estranhamente metafórico surreal.
Meu amigo se levantou, e me deu um aperto de mãos, senti que estava se despedindo de alguma forma, e antes de tudo aquilo desaparecer no tempo, ele me disse:
- Estarei esperando por você. E como você pode ver: Há um grande mistério cósmico acontecendo aqui em nossa frente. Aliás "Tudo que vive, vive para sempre. Somente o invólucro, o que é perecível, desaparece. O espírito não tem fim. É eterno. Imortal"
Então em outro lapso de susto, eu acordei novamente, no mesmo lugar, dessa vez, sem batimentos cardíacos acelerados, sem suor frio, sem pensamentos abstratos. Voltei à realidade, como se tivesse voltado de algum efeito de uma droga alucinógena. Mas não, era somente a minha mente dizendo mentiras.
Desliguei a televisão. Já estava amanhecendo, fiz um café, sentei no sofá, ainda meio sonolento e confuso. Comecei a ler o livro mais próximo que estava no criado mudo. Um livro que ganhei da minha ex namorada, que deixei ali, e nunca o li. O livro ainda tinha o perfume dela. Não queria lembrar dela, nem despertar sentimentos adormecidos, que quando acordam, são como bestas infernais e selvagens.
Mas em meio a tantos devaneios, consegui trazer aqueles pensamentos de volta. E agora eu sei, a vida é um jogo, que às vezes a gente perde e ganha. Mas o final é sempre o mesmo, Desligamos o jogo e dormimos. E assim é a vida; Só que quando ela resolve parar de jogar com a gente, a morte chega e a trapaceia, pois ela é precisa estar sempre no poder e no controle, Ela sempre dá o xeque mate. Ela sempre vence.
A morte é a única certeza de nossas vidas.