30 de outubro de 2020

PORTA VOZ

A verdade é que, eu comigo mesmo,
sou cheio de teias de aranhas
sou móveis empoeirados,
sou vários cômodos sem luz,
sou corredores que não levam a lugar algum,
sou o reflexo de espelhos quebrados
que separam esse mundo de outros vários mundos,
sou as escadas que te levam para o porão
sou cheio de quinquilharias
sou a parede desalinhada
sou o tapete que diz; “vá embora”!
sou o chão sujo
sou o corrimão das escadas espiraladas
em uma conexão metafísica sublime
com o submundo. 

Sou essa casa assombrada,
cheia de vultos,
fantasmas e crimes oriundos,
sou a dor, o lamento,
a lágrima, o luto.
sou esse humor absurdo,
seco, distante e taciturno.
sou uma luz pairando no escuro,
sou a chama da vela
que chora em um dia de Saturno. 

Sou esse ser extraordinário,
ninguém me visita,
sou um lugar inóspito,
sou um local da cidade bem afastado
um ponto de referência
de um local de crime onde corpos foram desovados
e um deles sou eu
sou um andarilho
aqui do outro lado
sou um pobre mendigo
do lado de vocês
um rei poderoso e rico

Mas eu sei o que eu sou, ao menos
vocês sabem quem são vocês?
eu sei o que reside em cada cômodo da minha mente
sei de cada objeto pensante
que pesa no meu subconsciente
sou todo objeto cortante
que mata lentamente
mas também sou o veneno
na dose certa
que cura o doente

Sou aquela dor
que reside na ponta da agulha
sou a música que toca
ao ruído de corvos e da coruja
sou a magia que ilumina
os cantos de qualquer mente obscura

Sou o amor e a fúria
sou a tempestade
e eu faço parte da chuva.

- Algo me estremeceu, caí em si – 
Não sou nada disso que escrevi
sou o frio do obsessor que encostou
sou uma brecha
fui invadido
sou mil faces
de uma mesma moeda
pervertido
lunático
assassino
sou um corpo em queda

Sou um poeta dos mortos
escrevo em um lapso delirante
o que eles querem desabafar
sou o abajur com muita luz
eu nunca durmo
sou um corpo desdobrado
eu sou a boa-fé
mas também sou a má sorte
eu estou nos portões
que separa a vida da morte

Eu sou o diário de Plutão
cada alma passa pela minha escrita
a morte ao desabafar sua escuridão
minhas poesias a ilumina
a morte ganha uma luz
que me reequilibra

Eu sou aquele que te liberta
mas também posso ser seu algoz
mas na realidade mesmo,
eu sou somente um porta-voz
que escreve as canções
ao som dos ruídos dos corvos
que escreve
sobre os mais verdadeiros sentimentos
dos mortos.


Bruno Bernardes 


Texto escrito, às 01:01 am, do dia 30 de outubro de 2020, no horário de Mercúrio.